Quanto tempo há para julgar um recurso?
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Motivado por uma dúvida levantada em um dos tantos grupos de whatsapp de profissionais de trânsito, é que resolvi trazer ao esclarecimento o tema.
Foi questionado quanto tempo a JARI teria para julgar um recurso de multa (ou outra penalidade), tendo sido defendido que teria 30 dias.
Essa confusão é bastante comum, pois por mais de duas décadas nosso Código de Trânsito Brasileiro trazia menção a esse prazo.
Entretanto, a confusão mora em que o prazo de 30 dias para o julgamento de um recurso em 1ª instância (pelos membros da JARI, portanto), não era tratado como prazo fatal ou decadencial, que fosse gerar a nulidade do processo (apesar de já ter visto e lido profissionais do Direito defendendo essa tese, a qual nunca vi prosperar).
Existia realmente esse prazo, mas tão somente para a concessão do chamado efeito suspensivo. No Direito, existem alguns tipos de efeitos e no direito administrativo de trânsito o efeito suspensivo era conjurado no processo como meio de sustar quaisquer potenciais prejuízos (seja sobre o registro do veículo, como a imposição e cobrança de multa, seja no prontuário do infrator, como a pontuação) enquanto pendia de julgamento um recurso. Inclusive como atendimento ao próprio princípio constitucional da ampla defesa e contraditório e do devido processo legal.
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Ocorre que antes da alteração do CTB promovida pela Lei nº 14.229 de 2021, o legislador original previa, no art. 285, §3º, que o efeito suspensivo seria concedido, a pedido ou de ofício (pela própria autoridade), somente quando não julgado em 30 dias o recurso pela JARI, o que é praticamente a regra (muito raro vermos decisões proferidas em prazos inferiores a esse).
Porém, o legislador revogou o referido dispositivo (art. 285, §3º, CTB) e trouxe para o caput do mesmo artigo a figura do efeito suspensivo, o qual passa a ser declarado sem necessidade de espera de qualquer prazo. Vejamos a redação atual:
Art. 285. O recurso contra a penalidade imposta nos termos do art. 282 deste Código será interposto perante a autoridade que imputou a penalidade e terá efeito suspensivo. (Redação dada pela Lei nº 14.229, de 2021)
No Direito, sobretudo o administrativo, “terá” tem a força de “deverá”, ou seja, não é faculdade do administrador (leia-se autoridade de trânsito, pois esta que é competente para aplicar as penalidades), devendo sim, ao protocolar-se o recurso, ser concedido e declarado o efeito suspensivo, impedindo qualquer prejuízo enquanto perdurar a necessidade de julgamento. É isso que apregoa o art. 284, §3º:
§ 3º Não incidirá cobrança moratória e não poderá ser aplicada qualquer restrição, inclusive para fins de licenciamento e transferência, enquanto não for encerrada a instância administrativa de julgamento de infrações e penalidades. (Incluído pela Lei nº 13.281, de 2016)
Mas então, qual prazo tem a JARI para julgar o recurso? Os prazos são os prescricionais previstos na Lei nº 9873/99, lei que trata do prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta, referente às penalidades administrativas e em que pese não ser uma Lei especificamente dedicada ao processo administrativo de trânsito, a ele se aplica (tanto que é expressamente mencionada, por exemplo, na Res. 723/18 que trata das penalidades de suspensão e cassação da CNH).
Esta lei elenca, basicamente, dois prazos:
3 anos (prescrição intercorrente) e 5 anos (prescrição propriamente dita).
A primeira ocorre quando o processo fica paralisado por mais de 3 anos, pendente de julgamento ou despacho, ou seja, foi protocolado recurso à JARI esta precisa proferir julgamento ou ao menos algum despacho que coloque em movimento o processo, para que se afaste o arquivamento do processo.
A segunda (5 anos), conta da data da prática do ato, ou seja, da autuação pela infração de trânsito (se estamos falando de processo de multa).
Esses prazos acima são os que estão em vigência neste momento. Entretanto, dentro de poucas semanas, a partir de janeiro de 2024, terá vigência dois importantíssimos novos dispositivos que estabelecem prazos diferentes (e menores) do que a Lei mencionada. Vejamos:
Art. 285. O recurso contra a penalidade imposta nos termos do art. 282 deste Código será interposto perante a autoridade que imputou a penalidade e terá efeito suspensivo. (Redação dada pela Lei nº 14.229, de 2021)
[...]
§ 6º O recurso de que trata o caput deste artigo deverá ser julgado no prazo de 24 (vinte e quatro) meses, contado do recebimento do recurso pelo órgão julgador. (Incluído pela Lei nº 14.229, de 2021)
Art. 289. O recurso de que trata o art. 288 deste Código deverá ser julgado no prazo de 24 (vinte e quatro) meses, contado do recebimento do recurso pelo órgão julgador: (Redação dada pela Lei nº 14.229, de 2021)
Pode gerar confusão, ao considerar que os dispositivos acima estão no CTB, oriundos da Lei 14.229 sancionada em 21 de outubro de 2021, porém estão com a vigência estabelecidas apenas a partir de 1º de janeiro de 2024, conforme determina o art. 7º, II da Lei mencionada:
Art. 7º Esta Lei entra em vigor:
[...]
II - em 1º de janeiro de 2024, quanto às alterações ao caput do art. 289 da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), e quanto aos acréscimos do § 6º ao art. 285 e do art. 289-A ao referido Código, todos do art. 2º desta Lei;
Repare que temos que ter cautela, haja vista que se trabalha com prazos gerais da lei 9873/99 atualmente, mas que se tornarão obsoletos com a vigência do prazo de 24 meses para julgamento (que também, como vimos, se aplica ao recurso em 2ª instância previsto no art. 288 do CTB).
Vamos observar se os prazos serão cumpridos, como a administração pública vai agir diante deles e, se for o caso, o próprio judiciário diante de ações que venham a surgir nesse sentido.
Eduardo Cadore é Especialista em Direito de Trânsito, professor da Pós Graduação de Direito de Trânsito da Faculdade Legale, Professor de cursos de processo administrativo de trânsito na Prioritá Cursos Jurídicos, Professor de Legislação de Trânsito da APETRANS e dos cursos de formação de Instrutores de Trânsito da Universidade Regional Integrada - URI campus Santiago/RS. É Observador Certificado pelo Observatório Nacional de Segurança Viária. Apresentador do canal da UNICFC sobre legislação de trânsito. Instrutor de Trânsito e Psicólogo Especialista em Psicologia do tráfego.